quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As Relações Dos Média Com A Justiça

“Um lado da biologia aplicada é o de que a mera presença do observador altera o terreno observado” (p.86). E se este observador se multiplicar por várias dezenas, várias centenas ou até mesmo vários milhares ou dezenas de milhares de outros observadores?


As guerrilhas entre comunicação social e justiça não são novas nem hão-de morrer cedo. A democracia depende de todos para subsistir mas podemos afirmar que justiça e comunicação social são dois dos rostos mais evidentes de uma sociedade plural e independente. Sem tribunais livres e órgãos de comunicação social isentos podemos aproximar-nos de regimes totalitários que colocam em causa anos e anos de luta pela liberdade de expressão.


Mas, afinal, quem domina quem? Serão os jornalistas controlados pelos magistrados ou o inverso?

Numa resposta formal a esta questão respondemos de forma óbvia: os tribunais controlam os órgãos de comunicação social – dentro dos limites da liberdade de imprensa – uma vez que têm em sua posse o poder legislativo e, no fundo e em última instância, é o poder judicial que controla todos os sectores da sociedade. Contudo, analisando profundamente esta questão conseguimos retirar da atuação dos tribunais e dos órgãos de comunicação social algumas conclusões curiosas.

Comecei este texto com uma alusão à importância de uma observação correta de um acontecimento. Tanto magistrados como jornalistas têm como missão olhar lados distintos da mesma questão, ponderar e, no caso dos magistrados, decidir e, no caso dos jornalistas, denunciar. O simples facto de algo acontecer ou de algo acontecer e se tornar mediático não atribui a esse acontecimento a mesma dimensão e, por isso, a mesma interpretação.

Outra questão levantada entre as relações de justiça e jornalismo é o jogo dos próprios intervenientes nos processos judiciais. A questão do segredo de justiça serviu, em primeira análise, para defender a investigação do processo judicial mas, na atualidade, serve também para proteger o próprio bom nome dos intervenientes. No meio jornalístico costuma dizer-se que todos são culpados até provem contrário (esta afirmação surge, ironicamente, em sentido oposto ao disposto na lei portuguesa: todos são inocentes até que se prove o contrário) e bem sabemos que uma notícia falsa sobre alguém pode deixar marcas irreversíveis. Ainda dentro desta questão observamos, muitas vezes, alguns intervenientes nos casos judiciais fazerem jogo duplo: dando informações aos tribunais, em primeiro lugar, e aos órgãos de comunicação social, emsegundo lugar. Este jogo de interesses permite que o visado use a justiça para, formalmente, reivindicar os seus direitos e use os órgãos de comunicação social para, em primeira instancia, darem notoriedade ao caso e, na conclusão do processo, terem a oportunidade de se desculpabilizarem ou desvalorizarem o sucedido. Assim, podemos concluir que um caso judicial mediático extravasa em grande medida as paredes de um tribunal uma vez que o que é dito pelos intervenientes dos processos é o que passa cá para fora dando origem ao chamados julgamentos na praça pública que levam o público a tirar as suas próprias conclusões que podem, muitas vezes, seguir contrariamente ao que é concretizado nos tribunais.


A propósito da mediatização de processos judiciais gostava de falar, a titulo de exemplo, de um caso em concreto: o apito dourado. Este processo envolveu, na barra dos tribunais, inúmeras figuras públicas ligadas ao futebol e uma em concreto: Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto. Apesar de todas as acusações feitas em tribunal nunca terem transitado em julgado, podemos afirmar que o presidente do clube nortenho foi, e continua a ser, culpado na “praça pública”. Assim como Pinto da Costa podemos falar também de casos como Carlos Cruz (Processo Casa Pia) ou José Sócrates (Caso Freeport). A mediatização de qualquer caso permite que o público tire as suas próprias conclusões, mesmo que não estejam na posse de todos os dados processuais.

A questão da comunicação por parte dos tribunais também é um ponto relevante na análise das relações entre justiça e media. Não é normal – eu diria mesmo que nunca aconteceu – que um magistrado se dirija diretamente ao público para prestar esclarecimentos a propósito de um caso em concreto. Como sabemos a justiça utiliza uma linguagem muito específica e que não é facilmente compreendida pelo público em geral. Assim sendo, quando os jornalistas passam a informação para o público e a tentam trocar por miúdos (para ser compreendida por toda a gente) têm que ser muito cuidadosos: assumimos assim a necessidade de um jornalismo especializado e de qualidade para que a informação não acabe deturpada. Podemos também acabar a defender uma posição pública dos magistrados mas, bem sabemos, que quando alguém se expõe às objetivas da comunicação social aquilo que quer dizer pode não ser aquilo que diz realmente, ou seja, cada gesto, entoação, piscar de olhos, gesticulação, etc podem ser alvo de interpretações que acabem por condicionar o processo judicial e contribuir para o degradamento da justiça.

Para perceber melhor a forma de atuar dos profissionais da comunicação e dos profissionais de justiça e a própria forma como estes se relacionam com a sociedade temos que entender a democracia em ampla análise, ou seja, perceber que embora sejamos livres não somos proprietários da liberdade total até porque, a frase não é nova, a nossa liberdade termina onde começa a dos outros. Não menos importante é perceber que no mundo mediático os segredos não funcionam bem. Alguém que esconde ou demonstre esconder qualquer coisa, mesmo que o segredo seja irrelevante, perde alguma da sua credibilidade. Isto fez com que a transparência total fosse muito mais valorizada e, por isso, passamos a viver numa sociedade onde a privacidade é pouca ou inexistente: criamos, portanto, uma sociedade de escândalos. E é nos escândalos que reside o valor notícia mais importante, nos dias de hoje, no jornalismo.




Texto escrito com base no artigo "Comunicar e Julgar" de Cunha Rodrigues sugerido para a elaboração de uma recensão crítica na disciplina de Direito da Comunicação Social lecionada pela Professora Rita Basílio na Universidade de Coimbra.

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